A Entreler quer ocupar-se de temas nas áreas da leitura, do livro, da escrita e da literacia, e é isso que vem fazendo desde o número 0. Não se tratando de uma dedicação exclusiva, em cada um dos números, a assuntos específicos ou especializados, há um tom, uma orientação para, dentro da variedade possível de assuntos, algum merecer um privilegiado interesse.
Dos clássicos aos autores de hoje mais reconhecidos como grandes escritores no mundo literário contemporâneo, é pela palavra escrita por estes tradutores em português com que nos cruzamos que beneficiamos do pensamento e da forma criativa de partilhar muitas outras línguas. Como o nosso poeta Eugénio de Andrade disse num maravilhoso título de um livro seu, há aqui um “trocar de rosa” que inevitavelmente atravessa o ato de traduzir.
Com este número da Entreler, que nos obriga a um agradecimento especial aos protagonistas, temos a expectativa que o mesmo mereça a atenção de editores, escritores, leitores e divulgadores das letras. Mas, também, por coincidência ou não, algumas das apreciações de livros selecionados nesta edição vão no sentido do valor da leitura, da escrita e da sua tradução, dos conhecimentos, cuidados, reservas e questionamentos associados, partindo para um conjunto de reflexões sobre a temática que nos agrada poder partilhar com o público da Entreler, na expectativa de, assim, estar a contribuir, através dos livros traduzidos e dos seus tradutores, para aproximar mundos e culturas.
Na verdade, se é importante o domínio da língua de onde se parte e da língua para onde se vai, não menos importante é o conhecimento das culturas envolvidas, porque só assim se estabelece um diálogo que aproxime as línguas de partida e de chegada, que, sendo idiomas diferentes, têm diferenças estruturais, têm raízes culturais que são o pano de fundo e o alicerce em que assenta a complexidade do que se diz e quando se diz no texto literário.
Traduzir é fazer a ponte entre culturas – dar sentido aos sentidos.
A tradução é, assim, o mote de três dos artigos publicados que, seguindo a lógica do número anterior, têm nos Estudos, nas Práticas, no Digital e neste tema a sua filiação.
Ana Sabino escreve sobre a leitura criativa conferida pela forma visual e material que o design oferece aos livros. Paulo Feytor Pinto e Shiv Kumar Singh fazem uma leitura intercultural do episódio da Chegada à Índia de Os Lusíadas, denunciando a ausência desta visão literária do Outro nos currículos nacionais. Tânia Fernandes mostra o impacto positivo da aplicação de programas de ensino explícito da compreensão leitora, comprovando a possibilidade de estes se estenderem a alunos do 2.º ano.
No âmbito das Práticas, Inês Nobre e Teresa Silva relatam duas experiências escolares de incentivo da leitura autónoma e por prazer desenvolvidas em contextos e com estratégias distintas: o projeto individual de leitura e o círculo de leitura.
No domínio do Digital, Luís Andrade dá a conhecer o Portal Revistas de Ideias e Cultura, analisando os seus objetivos, metodologias e resultados, e refletindo sobre a mudança de paradigma trazida pela edição e leitura em suporte informático.
Já no campo da Tradução, Alina Villalva debruça-se sobre os problemas de tradução de palavras, exemplificando-os e advogando a necessidade de investir num maior conhecimento lexical e na melhoria das ferramentas de trabalho para os resolver. Alexandra Lopes dedica-se à “arqueologia” da tradução literária, refletindo, através do exemplo maior de Walter Scott, sobre o papel que a tradução desempenha na construção de cânone(s) e do gosto literário de uma dada época. E Rita Bueno Maia e Joana Moura argumentam sobre a importância da leitura de traduções no contexto do ensino da tradução literária, mostrando que a leitura crítica e comparativa de traduções publicadas em língua portuguesa e noutras línguas é essencial para a formação de tradutores literários.
Feita esta apresentação, agradecemos a todos os que colaboraram na construção de mais um número da Entreler e desejamos a todos uma boa leitura.